Saturday, December 27, 2008

Os jovens "idiotas" e a internet

"ÉPOCA –O que está errado com os jovens?
Mark Bauerlein – Graças à estabilidade política e ao longo período de prosperidade econômica vivido pelos Estados Unidos, os jovens cresceram sem conhecer a dura realidade de outras partes do mundo, com crises econômicas e políticas, desemprego, e revoluções. A conjunção benéfica de fatores manteve os jovens americanos isolados em um casulo infantil. Quando converso com estrangeiros sobre a nova geração americana, eles me dizem que um americano de 20 anos age como se fosse um adolescente de 14 anos em seus países.
(...)
ÉPOCA – O senhor chama os jovens de bibliófobos. Por quê?
Bauerlein – Bibliófobos são pessoas alfabetizadas que escolhem não ler. Fico surpreso ao ver um adolescente lendo um romance num parque. Imagine o que ele poderia estar fazendo... Jogar videogame, escrever um blog, navegar na web. São ações que exigem a leitura rápida de frases curtas em uma tela. Pense num videogame. Ele só existe para estimular os sentidos. Ele fornece todas as imagens. Tudo é muito rápido, para manter o jogador absorto. Ler é demorado, exige imaginação, há palavras desconhecidas. A sensação de tempo decorrido é muito diferente. Pode-se passar duas horas jogando um game e parecer que foram 20 minutos. Mas cinco minutos de leitura podem parecer uma hora. É claro que os adolescentes não gostam de ler! Ler dá trabalho.
(...)
ÉPOCA – Qual é a conseqüência da falta do hábito da leitura para esta geração?
Bauerlein – Várias aptidões necessárias para a maioria das profissões não são adquiridas jogando games, mas pela leitura. Quem lê livros melhora a compreensão de texto, a redação e enriquece o vocabulário. Uma pesquisa feita em universidades americanas, em 2007, mostrou que dois terços dos professores acham o nível atual dos alunos pior que o de dez anos atrás. Mais de 42% dos ingressantes na faculdade precisam freqüentar aulas de reforço em compreensão de texto, redação e Matemática. Apesar de terem sido aceitos pelas universidades, eles não têm o nível mínimo para freqüentá-las."¹

A entrevista do Prof. Bauerlein incitou-me mais alguma reflexão sobre um tema que há muito me desperta a atenção. De um modo geral, diz com a nossa capacidade de expressão, seus limites, suas possibilidades mesmo, em face do "equipamento" de que nós dispomos para tanto, o que se relaciona, em última instância, com nossa constituição¹. Quando falo "nós", relaciono não apenas os seres humanos, mas todo e qualquer ente que possa desempenhar esta mesma atividade.

Essa questão ganha interessante (e bastante acessível) enfoque quando se discute o efeito causado pelo acesso à rede mundial de computadores sobre os jovens - no caso da entrevista, particularmente sobre os jovens americanos. A falta do hábito da leitura (de livros), associada à utilização de uma linguagem de símbolos mais simples e menos elaborada no todo, chega a ser dada como causa de um pior preparo dos estudantes.

Todavia, como pretendo demonstrar, esta é uma opinião que se mostra equívoca, por não tomar devidamente em conta os próprios pressupostos que, pretensamente, sustentam-na. Senão vejamos.

O professor fala em "desconhecimento", por parte dos jovens ianques, da dura realidade dos outros lugares do mundo, e que isso os teria levado a um estado de "isolamento" que os haveria "idiotizado" - o título do último livro do entrevistado é The Dumbest Generation (algo como que A Geração mais Idiota), - da forma como já exposta acima.

O argumento aparenta alguma coerência, sobretudo quando toma como vilões as "frases rápidas" da linguagem usual entre os jovens no MSN e em outros meios quejandos, pois estamos mesmo acostumados a imputar ao "internetês" a cacografia dramática observada nas redações dos nossos estudantes. Tudo soa conforme às nossas impressões formadas pelo nosso conhecimento superficial que acumulamos sobre a matéria, e ficamos com a sensação de que deve ser mesmo assim, sobretudo por vermos nossas impressões iniciais desposadas por alguém com autoridade suficiente para fazê-lo sem parecer merecedor de maior contestação.
Entretanto, temos, antes do mais, de pensar no que consiste uma "idiotização" dos jovens. Ser idiota é não conseguir terminar o segundo grau sem conseguir resolver equações do segundo grau? ou não conseguir redigir um texto conciso totalmente acomodado às regras da norma culta do idioma em que se fala? ou tudo isso junto? A colocação precisa do tema pode levar-nos a lugares ainda inexplorados na discussão. Mais: a contextualização mais exata do problema, com a precisa consideração dos pressupostos ordinariamente admitidos, poderão revolucionar as conclusões mais usuais.
Identificar a "idiotização" em questão ao processo por que os jovens se descuraram da "leitura de livros" e passaram a gastar grande parte de seu tempo em redes sociais e em leituras de blogs como este não serve sequer como descrição acurada dele (processo). Nem se precisa dizer que vai muito longe de lhe oferecer uma análise detida de suas causas.
Podemos dizer de uma tal “idiotização” que ela consiste em uma depreciação – em média – de algumas faculdades que os jovens de gerações pretéritas tinham em níveis mais altos (ou mesmo jovens contemporâneos de outras localidades) que os da atual. Não importa tanto aqui discriminarmos tais faculdades; é-nos vultoso apenas termos bem claro que consistiu na diminuição de cabedais detidos pela média de outros grupos de jovens.

A análise das causas desse fenômeno e a indicação de sua terapêutica requerem as reflexões mais acuradas. A justificativa segundo a qual ele se deve à utilização de uma linguagem mais pobre, ainda que admitida como resolução do problema “causa” da “idiotização”, pouco ou nada aponta acerca de sua terapêutica. Vejamos um outro trecho da entrevista:

“ÉPOCA – Como os jovens reagirão se seus pais pararem de pagar suas contas de celular e internet por causa da crise?
Bauerlein – Vão espernear e berrar feito crianças de 2 anos. Mas no fim será bom. Serão obrigados a amadurecer.”²

Não sei quanto a vós, ó leitores (se é que há mais de um (aliás, se é que há algum)), mas a mim esta resposta causa arrepios, qual vos deve causar arrepios, por exemplo, a opinião de que a solução para o alcoolismo deve ser a destruição de todas as garrafas do mundo. A comparação pode parecer absurda, mas se lembrarmos que em ambas as hipóteses há a idéia fundamental de que somente se ataca a maneira como os problemas se nos apresentam, e não as causas geradoras deles, veremos que a ratio subjacente às duas é substancialmente a mesma.
Nesse diapasão, percebemos quão preconceituosa é a linha de raciocínio do professor indigitado: a internet sempre faz mal, e a proibição do seu acesso é algo que conduzirá, obrigatoriamente, a um "amadurecimento"; ler (um livro) sempre dá trabalho. Esse tipo de generalização é (ou pelo menos pode ser) funesto para a compreensão adequada deste fenômeno. Para isso, é bastante dizer que nem todo uso que se faça da internet seja tal que a sua vedação leve a um "amadurecimento". Além disso, em livros volumosos de edições luxuosas podem estar encerrados conteúdos muito menos "amadurecedores" do que o que se encerra neste humílimo blog. Não necessito de ir muito além nesta explicação.
Disso, imagino que posso concluir (e vos levar comigo em tal conclusão) que as "frases curtas e de rápida leitura", exatamente como os períodos longos e rebuscados dos romances lidos nos parques, são apenas, para dizer com o Prof. Richard Dawkins, memes³ que se replicam, mais ou menos, de acordo com as condições que encontram no meio em que se buscam dispersar; nesse sentido, podemos dizê-los neutros, por admitirem em si quaisquer conteúdos - inclusive, pois, os "idiotizantes".
E exatamente nas condições que estes memes encontram está um ponto crucial da questão. É a partir delas, ou a partir da adaptação a elas, que fará mais sentido o uso de frases curtas de leitura rápida ou frases longas de difícil compreensão. Aqui, finalmente, posso explicar o que quis dizer quando falei em algo como investigação mais próxima dos pressupostos admitidos por todos nesta discussão.
Quando o professor fala em ignorância da dura realidade de outras partes do mundo, ele lembra que as circunstâncias (culturais, econômicas etc.) em que os jovens "idiotizados" estão insertos são outras, bem diferentes das em que se encontram os outros jovens que lhes servem de parâmetro. Em resumo, podemos dizer seguramente que outras circunstâncias fazem surgir necessidades para os indivíduos, as quais desafiam, por seu turno, investidas várias para o alcance das suas satisfações. Não é demais lembrar aqui que, como aplicação elementar da lei do menor esforço, os indivíduos buscam a satisfação das suas necessidades da maneira menos onerosa, ainda que façam, muita vez, péssimos cálculos.
Para o assunto levantado, isso quer dizer que os jovens utilizam frases curtas ou longas, lêem romances ou blogs, escrevem cartas longas com caligrafia clássica ou scraps de emoticons, de acordo com a necessidade apontada por uma meta pré-estabelecida, além da qual tudo é desperdício de tempo e energia. Por óbvio, realidades mais amenas poderão trazer as metas para limites bem mais modestos; é dizer: uma comunicação instantânea e de pouca importância não requer frases longas e de difícil compreensão.
Isso significa que o "amadurecimento" não advirá do corte do telefone ou da internet, pelo menos não necessariamente. Os memes estão sempre atrás de novas máquinas de sobrevivência por que possam se replicar. E estas podem ser uma gravura, um gesto, o MSN, o Mirc, o facebook etc. Atacar sempre estas máquinas de sobrevivência será, no final das contas, uma mutilação da cultura humana pelo próprio homem. A solução viável parece-me ser uma reedução mental que institua novas necessidades e redimensione as metas a serem atingidas. Somente assim poderemos atingir um "amadurecimento" sustentável e conectado a quaisquer meios de difusão da cultura, coisa a que jamais nos levará o corte do telefone e da internet.
___________________
1 O tema renderá novo escrito, que virá a lume dentro em breve.
3 Sobre os memes, escreveu o ilustre professor de Oxford: "O novo caldo é o caldo da cultura humana. Precisamos de um nome para o novo replicador, um substantivo que transmita a idéia de unidade de transmissão cultural, ou uma unidade de imitação." A partir da raiz grega Mimeme, o Prof. Dawkins chega a meme. Ver DAWKINS, Richard. O Gene Egoísta. Itatiaia/Edusp. 1979. p. 214.









1 Comments:

Blogger A.L. said...

Comentário curto (portanto idiota): "A solução viável parece-me ser uma reedução mental que institua novas necessidades e redimensione as metas a serem atingidas." - gênero, número e grau (se grau concordasse...).

9:34 PM  

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